A África Ocidental é conhecida
pela dinâmica das suas mulheres comerciantes, caracterizadas pela perícia,
autonomia e mobilidade. A sua presença, que fora atestada por viajantes e por
missionários portugueses que visitaram a costa a partir do século XV, consta
também na ampla documentação sobre a região. A literatura é rica em referências
às grandes mulheres como as vendedoras ambulantes, cujo jeito para o negócio,
bem como a autonomia e mobilidade, é tão típico da região.
HAVIK, P. Dinâmicas e
assimetrias afro-atlânticas: a agência feminina e representações em mudança na
Guiné (séculos XIX e XX). In: PANTOJA, S. (Org.). Identidades, memórias e
histórias em terras africanas. Brasília: LGE; Luanda: Nzila, 2006.
A abordagem realizada pelo
autor sobre a vida social da África Ocidental pode ser relacionada a uma
característica marcante das cidades no Brasil escravista nos séculos XVIII e
XIX, que se observa pela
A) restrição à realização do
comércio ambulante por africanos escravizados e seus descendentes.
B) convivência entre homens e
mulheres livres, de diversas origens, no pequeno comércio.
C) presença de mulheres negras
no comércio de rua de diversos produtos e alimentos.
D) dissolução dos hábitos
culturais trazidos do continente de origem dos escravizados.
E) entrada de imigrantes
portugueses nas atividades ligadas ao pequeno comércio urbano
Esta questão refere-se as
chamadas “negras de tabuleiro” que
eram comerciantes ambulantes, vendiam gêneros alimentícios e aguardente.
Participavam deste trabalho escravas ou libertas. São citadas em fontes com
maior frequência durante o ciclo de ouro
em Minas Gerais (século XVIII), pois se tornaram uma ameaça para as
autoridades, faziam o comércio próximo dos locais de extração de ouro,
possibilitando assim o contrabando e o não pagamento das taxas de impostos. Devido
a isto sofriam perseguições e punições de toda a sorte.
“Formavam assim uma verdadeira
multidão de negras, mulatas, forras ou escravas que circulavam pelo interior
das povoações e arraiais com seus quitutes, pastéis, bolos, doces, mel, leite,
pão, frutas, fumo e pinga, aproximando seus apetitosos tabuleiros dos locais de
onde se extraíam ouro e diamantes ... Ao proporcionarem consumo aos escravos
que mineravam por lavras e córregos espalhados pela capitania, contribuíam para
o desvio do ouro extraído, que reduzia a
arrecadação do quinto” 1
Figura 1 Johann
Moritz Rugendas. Viagem pitoresca através do Brasil. 5.ed. São Paulo: Martins,
|
Nas
vendas, muitas delas dirigidas por mulheres, diferentes grupos sociais se
reuniam para beber e se divertir; em seu interior escondiam-se atividades
escusas como contrabando de ouro e pedras, abastecimento de quilombos e
prostituição.
“As
negras também eram acusadas de incentivar a embriaguez e a violência nos
lugares onde permaneciam ... No bando de 8 de Abril de 1764, foi listada uma
série de contravenções das negras de tabuleiro, pelas quais sofreriam punições,
tais como o confisco dos gêneros a serem comercializados, prisão de oito a
noventa dias, açoites em praça públicas e o pagamento de fiança.” 2
Texto
complementar:
As outras Chicas da Silva
A
América portuguesa viveu enormes transformações a partir do século 18. Houve
intenso processo de urbanização e aumento populacional, principalmente entre
escravos e aqueles que tinham adquirido a carta de alforria, chamados de
forros. Etnias encontraram-se, conviveram, coexistiram e, também, sustentaram
conflitos. Nas cidades, muito mais que nas áreas rurais, a mobilidade física e
social foi marcante. Aí, o universo cultural brasileiro consolidou-se baseado
na diversidade, no hibridismo e na impermeabilidade dos costumes e das
tradições, mesmo que, nesse último caso, mais no discurso que na prática.
Homens e mulheres, livres, libertos e escravos construíram esse ambiente e dele
usufruíram o quanto puderam e como puderam.
O
ouro, de início, fomentou as mudanças, mas não foi ele o único elemento
responsável por elas. Já nas primeiras décadas de ocupação das terras das Minas
Gerais, gente de variada origem tentou fazer fortuna não apenas minerando, mas
plantando roças e criando animais, oferecendo serviços de todo tipo e,
sobretudo, praticando algum comércio. Nas vilas e arraiais das Minas tudo isso
existiu, e nunca os escravos estiveram excluídos dessas possibilidades. Ruas,
vielas, chafarizes e becos hospedaram milhares e milhares de escravos de ganho,
de negras de tabuleiro, de coartados – cativos que pagavam sua alforria em
parcelas, durante três ou quatro anos – e de forros. Enquanto alguns
sobreviviam a duras penas, outros, e não foram poucos, conseguiam ganhar
dinheiro, com o qual compravam a liberdade, casas, roupas, ferramentas de
trabalho, jóias e também escravos.
As
mulheres ocuparam lugar destacado nesse mundo urbano colonial. Quando escravas,
várias conheciam, além de autonomia, alguma fortuna. Depois de libertas, muitas
outras ascendiam social e economicamente, transformavam-se em importantes
comerciantes e proprietárias de escravos, e engrossavam a camada média urbana
que habitava a antiga capitania. Mulheres como essas foram responsáveis por
grande parte do consumo de tecidos produzidos na Índia especialmente para o
Brasil.
Ignácia
Ribeira, forra, moradora no arraial do Pompeu em 1777, possuía uma venda de
secos e molhados, um escravo, ouro lavrado em barra, um colar de corais e tinha
pago uma quantia avultada por sua liberdade: cerca de 300 mil réis. Izabel
Pinheira, angolana, morreu viúva, no arraial da Roça Grande, em 1741, possuindo
sete escravos que ficaram alforriados e coartados no testamento deixado por
ela. Entre as mais afortunadas, estava a crioula Bárbara de Oliveira, natural
da Bahia, que se mudara para Sabará, onde morreu em 1766. Ela possuía 22
escravos (mais mulheres que homens – um conjunto de grande porte, incomum até
mesmo entre proprietários brancos). Também tinha muitas jóias e roupas
guardadas em canastras, como “uma saia de primavera de seda, uma de droguete
preto e uma de seda passado de ouro”. Ela possuía, ainda, ouro lavrado e em pó
e muitos créditos na praça.
É
provável que a origem de sua fortuna estivesse ligada, de alguma forma, à
prostituição e, talvez, por isso, ela, em testamento, alforriasse e coartasse
quase todas as suas escravas e os filhos delas. Um último exemplo: a crioula
Bárbara Gomes de Abreu e Lima, que morreu em Sabará, em 1735. Depois de comprar
sua alforria, ela formou uma invejável fortuna e montou uma impressionante rede
de relações sociais com alguns dos homens mais ricos e importantes da vila.
Bárbara morava em um sobrado imponente, na rua principal, mas possuía outras
casas. Tinha muito ouro em pó e lavrado, créditos às dezenas e negócios que não
ficaram revelados espalhados por várias regiões de Minas e pela Bahia, de onde
viera ainda cativa. De Sabará, ela tudo controlava. Tinha apenas sete escravos,
o que não condizia com sua riqueza.
Já
entre berloques e balangandãs, sua posição social aparecia mais explicitamente:
dezenas de cordões de ouro, vários com corais engranzados, como se dizia na
época; além de tecidos de várias partes do mundo. Bárbara era uma das muitas
negras que, como Chica da Silva, a amante do contratador João Fernandes,
ajudaram a decidir os rumos de Minas. Cada vez mais a nova historiografia
demonstra que essas mulheres não eram exceções nem gente alienada. Elas não
lutaram contra a escravidão dos irmãos de cor e de raça, mas, ao atuarem no
dia-a-dia, ajudaram a constituir uma sociedade diferente.
Eduardo
paiva é Professor da Universidade federal de minas gerais e autor de escravidão
e universo cultural na colônia, da editora ufmg
Disponível
em: https://s.guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/outras-chicas-silva-433508.shtml
Bibliografia
1
DEL PRIORE, Mary (org.) & BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto/Ed. UNESP, 1997
2
CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos Negociantes – Mercadores das Minas
setecentistas. São Paulo: Annablume, 1999
Gabarito
Alternativa correta: (C)
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