Estudar a questão da Palestina através
da obra de Edward Said é buscar uma visão ampla e rica do assunto, o autor sai
da interpretação ocidental onde o árabe é visto como um ser exótico e selvagem.
Pois tem a vantagem de ter nascido na Palestina e de possuir uma vivência
árabe. Conjuntamente com a sua experiência de imigrante nos Estados Unidos.
Para entender a questão do conflito na
Palestina é preciso primeiro entender o sionismo, quando o jornalista e
escritor austríaco Theodor Herzl concebeu o sionismo na década de 1890,
tratava-se de um movimento para libertar os judeus e resolver o problema do
antissemitismo. O ocidente sempre deu apoio a causa sionista, principalmente
após a segunda guerra mundial, pois ser contra o sionismo no ocidente era
assumir uma postura desconfortável a beira de um antissemitismo. A visão sobre
os árabes era de um povo cheio de problemas, a alternativa do ocidente era
saber o que aquele povo complicado iria querer.
Este apoio sempre esteve relacionado com
a visão romancista que o ocidente construiu sobre o oriente e o desconhecimento
do mesmo. O oriente médio é visto apenas como um espaço de conflitos, guerras e
lutas intermináveis. Após a segunda guerra mundial, a questão do sionismo
ganhou destaque e em 1948 o Estado de Israel na região da Palestina foi criado.
Said faz um levantamento de fontes onde estuda
a genealogia do Sionismo desde o século XIX. Este estudo é muito importante
pois demonstra a guerra semiótica que foi orquestrada pelos sionistas e a
chamada comunhão de linguagem e ideologia entre o sionismo e o ocidente, onde
estes buscaram uma dominação e ação colonialista no território da Palestina. O
sionismo negou a existência do povo árabe e muçulmano que viviam na região. Com
este estudo Said também expõe as falácias racistas propagadas pelos autores
sionistas ao descreverem os árabes.
“Os árabes que são superficialmente espertos e perspicazes adoram uma coisa e apenas ela: poder e sucesso. […] as autoridades britânicas cientes como são da natureza traiçoeira do árabe, tem de cuidar com atenção e constância para que nada aconteça que provoque nos árabes a menor mágoa ou motivo de queixa. […] quanto mais justo o regime inglês tenta ser, mais arrogante o árabe se torna.”1
A ideia central deste pensamento estava
baseada na ideia de superioridade do europeu em relação ao mundo, nesta
concepção os árabes são degenerados e traiçoeiros e os europeus possuem o ideal
de honestidade, civilização e do progresso, nada que o oriental seja capaz de
compreender. O sionismo se apropriou destes conceitos para legitimar as suas
práticas coloniais. Ao perceber o árabe como um sujeito ineficiente, ou seja,
incapaz de trabalhar a terra de uma maneira considerada eficiente, legitimando
assim a expropriação de terra daquele povo.
O autor destaca a questão da
representação do povo palestino pela mídia ocidental, estudando o principal
jornal dos Estados Unidos. Nas reportagens e matérias do jornal The New York
Times, os sionistas sempre tiveram grande participação e voz ativa. Os livros
sobre Israel e também sobre a Palestina, eram comentados por jornalistas e
escritores sionistas. Quando o jornal se referia ao tema, buscava a opinião de
um representante sionista e de um “especialista” em assuntos do ocidente, este
que muitas vezes também era um sionista. Um destes especialistas era Reinhold
Niebuhr (jornalista norte-americano) que em seu artigo para o jornal assimila
muito dos ideais descritos acima.
“Sei que não há consideração suficiente na América pelos direitos árabes ou pela dificuldade da Inglaterra para lidar com o mundo árabe. Acho desconcertante, por outro lado, que o indivíduo comum fale de “opinião” árabe sem sugerir que essa opinião é limitada a um pequeno círculo de senhores feudais, que não existe classe média neste mundo e que as massas miseráveis estão numa condição tão vil de pobreza que uma opinião é um luxo impossível para elas. Uma das dificuldades do problema árabe é que a civilização técnica e dinâmica dos judeus poderiam ter ajudado a introduzir, que deveria ter tido o apoio do capital norte-americano e que deveria incluir o desenvolvimento de rios, a conservação do solo e o uso da força de trabalho nativa, não seria aceitável para os comandantes árabes, embora fosse benéfica às massas árabes. Ela teria de ser imposta provisoriamente, mas teria uma chance de aceitação cabal por parte das massas” 2
Neste texto Niebuhr retira o direito e a
possibilidade do povo palestino de ter uma opinião sobre o seu destino e as
suas vontades. E deixa nítido que a opinião árabe não importa. A estratégia sionista de conquistar a
história, através da mídia e de obras artísticas. Para entender a relação do
motivo dos grandes jornais e a mídia ocidental assumir um discurso sionista,
deve se lembrar da relação entre o sionismo e o liberalismo, do grande lobby
sionista presente em diversos seguimentos da sociedade norte-americana. Estão
presentes como grandes acionistas, empresários anunciantes e até mesmo como
donos de redes de mídias. Said traz o caso da expulsão de Israel da Unesco e a
condenação do sionismo fomo forma de racismo pelas Nações Unidas. Onde a reação
dos judeus foi a de encher as correspondências de parlamentares americanos com
reclamações e dizendo que a medida foi uma forma de racismo.
Isto é responsável pela omissão da
grande mídia ocidental em repercutir os relatórios e documentos produzidos pela
ONU, Cruz Vermelha e outras instituições, onde o conteúdo faz menção das
torturas, prisões arbitrárias e abusos aos direitos humanos. Um exemplo do tratamento diferenciado
dado aos judeus sionistas é retratado pela história de Menachem Begin que era
um terrorista declarado, que admite ser responsável pelo massacre de 250
mulheres e crianças na aldeia árabe de Deir Yassin, em abril de 1948. Quando
este foi eleito foi considerado um estatista pelo ocidente, um líder
democrático incapaz de praticar o mal. Said denuncia esta hipocrisia do
ocidente ao citar o fato de que este sujeito foi condecorado com o título de
doutor honoris causa em direito civil pela Northwestern University em
1978, universidade norte-americana. E para completar também recebeu uma parte
do nobel da paz.
Em 1948 foi criado o Estado de Israel,
fruto de promessas britânicas aliadas ao sionismo. Vale lembrar das promessas
contraditórios de Balfur (secretário das relações exteriores britânico) em
relação ao território palestino, em troca de apoio durante a segunda guerra
fazia promessas de libertação aos árabes ao mesmo tempo que comprometia em
oferecer o território sob domínio para os sionistas. Dispersão dos palestinos
não foi um fato da natureza, mas resultado de uma força e de estratégias
sionistas.
As ações sionistas não deram início
somente após a criação do Estado em 1948, este fato foi resultado de uma ação
estratégica de dominação. É importante citar a criação dos fundos de capitais
sionistas como o Crédito Colonial Judaico Ltda (1898), Crédito Colonial (1901)
e o Fundo Nacional Judeu. Estes fundos serviram para financiar as campanhas
sionistas, a compra de terras e propriedades sistematicamente dos nativos. E
assim dar início a etapa de tomada de território da região.
Com o final da segunda guerra a fundação
do Estado e os conflitos armados que ocorreram no período, em 1948 o território
da Palestina passou por um processo de êxodo e esvaziamento. “se quisermos
entender por que 780 mil palestinos partiram em 1948, devemos olhar além dos
acontecimentos imediatos de 1948: devemos ver o êxodo como um fato gerado por
uma relativa falta de resposta política e organizacional dos palestinos à
eficácia sionista e, além disso, uma propensão psicológica para o fracasso e o
terror” Said, Edward. Pg 116)
“Antes de 1948, a maior parte do território denominado Palestina era habitada, sem sombra de dúvida, por uma maioria de árabes, os quais, após o surgimento de Israel, foram dispersados (partiram ou foram obrigados a partir) ou cerceados no Estado como uma minoria não judaica. Após 1967, Israel ocupou mais território árabe palestino. O resultado foi que, atualmente, existem três tipos de árabes palestinos: os que vivem nos limites da Israel pré 1967, os que vivem nos territórios ocupados e os que vivem fora das fronteiras da antiga Palestina” (Said, Edward. Pg 53)
Nesta obra Said busca fazer uma “justiça
histórica” para o povo da Palestina, em sua pesquisa confirma a presença do
território e povo palestino na história, busca na literatura de viajantes
relatos sobre como era a vida na região, do povo árabe que habitava a terra,
dos seus modos de vida e produção. Relatos de viajantes do século XII até XIX e
de geógrafos, historiadores, filósofos e poetas da língua árabe, estes que já
falavam da Palestina desde o século VIII. Traz à tona registros de quando a
região era chamada pelo seu nome árabe de Filisteia. Durante o século XVI
Palestina se tornou província do império otomano.“por
centenas de anos existiu uma terra chamada Palestina um povo essencialmente
pastoril e, no entretanto, social, cultural, política e economicamente
identificável, cuja língua e religião eram (em grande parte) árabe e islâmica,
respectivamente.” (Said,
Edward. Pg 9)
Através do censo que talvez possa ser
subestimado, mas o autor concorda que é confiável reafirma as proporções de
superioridade numérica dos árabes e muçulmanos em relação aos judeus. Censo de
1914 relata 689.272 pessoas e apenas 60 mil judeus. 1922, 590.890 (78%) eram
muçulmanos; 73.024 (9,6%) eram cristãos, majoritariamente árabes; 83.791 (11%)
judeus. Crescimento judeu na área cresceu 28% em 1927 e 25% em 1934. Este
aumento da proporção já demonstra o avanço da ação sionista na região.
Os judeus se organizaram e tiveram
êxitos em seus objetivos, Avoda Ivrit é um dos métodos utilizados, o objetivo
era o de alienar os nativos da força de trabalho. A orientação era para que a
comunidade judia realizasse os seus próprios trabalhos, até mesmo os que
exigiam esforços manuais.
Privações de direitos básicos do ser
humanos, impedimento do direito de ir e vir, de moradia, prisões arbitrárias,
assassinatos. Nos conflitos a ordem é que para cada 1 Israelense morto em
combate 10 ou mais palestinos paguem com a vida. Sem a distinção entre
soldados, civis, crianças e mulheres.
É contraditório que um povo que sofreu
um processo de genocídio durante a segunda guerra mundial, em tão pouco tempo
pratique o mesmo tipo de opressão em outro povo, um exemplo disso são as
torturas onde são utilizadas gás, denunciadas nos relatórios e ignoradas pela
mídia ocidental.
Há uma forte ligação entre Israel e os
Estados Unidos, o sionismo é defendido fortemente nos EUA, Israel serve como
uma barreira física e um braço de ação no Oriente médio, um muro que separa os
árabes do mundo ocidental. O exército de Israel usa muitos equipamentos que se
assemelha muito ao exército dos EUA.
O Estado de Israel trata os judeus e os
não judeus de uma maneira bastante diferente, os não judeus são tratados pelo
Estado como cidadãos de segunda categoria. Além das práticas já citadas de privações
de direitos humanos, as regiões com predominância árabe não recebem nenhum tipo
de investimentos em infraestrutura.
As leis que beneficiam os judeus em caso
de imigração ao país, são as mesmas que barra e negam o direito de retorno dos
palestinos. O Estado de Israel manteve uma lei do período de domínio britânico
chamada Lei de Confisco de Propriedade em Tempos de Emergência de 1949. Esta
lei é utilizada para negar o direito de propriedade dos palestinos e de dar
ordens de demolição de suas residências. Esta mesma lei era denunciada nos
tempos de domínio britânicos como antissemita. Lei de Propriedade Ausente, Lei
de Aquisição de terras, Lei de Prescrição de 1958
“O não judeu leva uma vida de privação nas vilas, sem bibliotecas, centros da juventude, teatros ou centros culturais; a maioria das vilas árabes, segundo o prefeito árabe de Nazaré, que fala com a autoridade única de um não judeu em Israel, carece de eletricidade, redes de esgoto, exceto Nazaré, que é servida apenas parcialmente; nenhuma vila possui estradas ou ruas. Enquanto o judeu tem direito ao máximo, ao não judeu é concedido o mínimo indispensável. De uma força de trabalho de 80 mil árabes, 60 mil trabalham em negócios administrados por judeus” (Said, Edward. Pg 121)
1 Carta datada de 1918 de Chaim Azriel Weizmann um
intelectual sionista para Arthur James Balfour secretário britânico de assuntos
exteriores.
Bibliografia:
SAID, Edward. A questão palestina. São Paulo: Unesp, 2012.
Capitulo - A palestina e os palestinos.
Capitulo - O sionismo e as atitudes do colonialismo europeu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário