Considerações sobre a análise da Minuta de Protocolo Volta as Aulas cidade de São Paulo.
Por Camila Cesar Rezende
São Paulo - 02/08/2020
Pensar na confecção de um protocolo específico da unidade,
que solicita a volta das crianças em 08 de setembro de 2020 foi necessário nos
debruçar sob a Minuta Protocolo Volta as Aulas[i].
Inicialmente foi percebido que um documento nomeado por
Minuta afirma seu caráter provisório e passível de modificação. Esse fator
revela a falta de tempo hábil para se realizar inúmeras adequações de toda a
ordem, principalmente no que se refere ao quadro de funcionários e às
estruturas dos espaços das unidades de ensino.
Compreendemos o dever do Estado em relação a oferta de
educação para a população apresentada na Constituição Federal de 1998,
“Art. 227 É dever da família, da sociedade
e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” [ii]
Porém também entendemos que o
momento necessita de um olhar que priorize a saúde. Ideia também amparada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente em:
Art. 4. “É dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde [...]” (BRASIL, Lei.
8069/1990).[iii]
Um grande paradoxo foi estabelecer a relação entre usar os
dados da atual crise sanitária que a Cidade se encontra e o que a escola pode
realizar diante das restrições apresentadas na Minuta.
Com o passar das transmissões ao vivo no Fala Rede com o
secretário Bruno Caetano percebemos que os questionamentos levantados por
nossos colegas eram os mesmos que nos afligiam.
Concordamos que
“(...) Princípios Éticos da Autonomia, da
Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum; os Princípios
Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do exercício da criticidade e do
respeito à ordem democrática; os Princípios Estéticos da Sensibilidade, da
criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e
culturais; assim como as práticas de educação e cuidados, que possibilitam a
integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/linguísticos
e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e
indivisível.(...)” CASTRO[iv]
Encontramos entraves teóricos na tentativa de justificar
uma escola que não prevê os direitos de aprendizagem das crianças como
instrumento da práxis pedagógica.
Buscamos, por meio de
Formulários Google compreender como a comunidade entendia esse retorno em setembro
e quais eram as ações que a escola poderia tomar para um retorno seguro.
As vozes dos
familiares foram ouvidas e sistematizamos os seguintes dados:
56,9% pretendem que as aulas voltem quando for
seguro,38,5% preferem que as aulas não retornem,1,5% prefere que as aulas
voltem o mais rápido possível,
Dentre as respostas objetivas algumas famílias
decidiram tomar um posicionamento maior nos escrevendo suas aflições sobre o
retorno, revelando que suas preocupações com segurança sanitária precedem o
retorno das atividades escolares:
“Pretendo que as aulas voltem, desde que a prefeitura de suporte para a
escola, nossas crianças e os funcionários”
e
“Meu filho só volta com a
vacina, como iremos colocar um monte de crianças em uma sala. Nós aqui em casa estamos
em quarentena, e quem me garante que a família do amiguinho está! Volta as
aulas só quando estiver seguro”.
Com este cenário realizamos uma análise da
Minuta em conjunto com os documentos oficiais Base Nacional Curricular Comum da
Educação Infantil, Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Infantil, Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Infantil, Currículo da Educação Infantil da Cidade de São Paulo, entre
normativas e orientações dadas pelas Diretorias Pedagógicas no decorrer de toda
a implementação da Modalidade de Ensino.
Em nossa análise comparativa percebemos a ausência dos
direitos de aprendizagens das Crianças na Minuta.
De fato, a preocupação com a acolhida pôde ser observada em
seu texto. Entretanto de maneira muito superficial pois claramente os
princípios expressos na Minuta são distanciamento e a pouca interação. Os
direitos de brincar, explorar, conhecer-se, conviver, participar e expressar
foram substituídos pelos termos distanciamento, limpeza, individualizar,
barreira, isolados etc.
Escutar as crianças e bebês é
essencial e deve ser o ponto de partida. Assim, devemos continuar a garantir a
organização de rotinas com propostas significativas, em ambientes acolhedores,
seguros e estimulantes para e com as crianças e bebês, a partir de conversas e
decisões, a fim de construir combinados para este momento de retorno em meio à
pandemia. Pág. 41 Minuta Protocolo de Volta as Aulas
As famílias/os responsáveis,
os bebês e as crianças chegaram! É hora do colo, de acolher o choro, de retomar
as rotinas de alimentação, de sono! É hora de olhar no olho, de pegar na mão,
de rever os amigos, a equipe e os espaços da Unidade Educacional. Planejamos as
ações, e agora? O que mais é importante pensar para este momento? Que tal
começar fazendo uma retomada do acolhimento do início do ano, considerando as
fragilidades e potências, ressignificando um planejamento que reverberará em
ações de acolhimento, que superará não só a redução de horário, mas em
propostas que verdadeiramente restabeleçam o vínculo. Possivelmente, os bebês e
as crianças voltarão ainda mais ávidos para as diferentes experiências que os
contextos educacionais proporcionam e não podemos estar alheios a isto.
Pág 41 Minuta Protocolo de Volta as Aulas
“Evitar travessias
de classe e de estudantes.
Adaptar e reduzir o
tempo de recreação de acordo com o número de funcionários.
Organizar horários e definir os procedimentos
para o início e o fim da recreação.
Organizar as
partidas e retorno às aulas em grupos adequados para permitir um melhor
controle do distanciamento físico.
Adaptar o
monitoramento do trabalho no intervalo.
Garantir a
conformidade com os métodos de barreira e o distanciamento físico em jogos ao
ar livre.
Proibir jogos de
contato e de bola, e tudo o que envolva a troca de objetos, bem como estruturas
de jogo cujas superfícies de contato não possam ser desinfetadas.
Isolar jogos e instalações externas que
envolvam o contato coletivo de objetos e superfícies.
Proibir o
fornecimento e o uso de brinquedos coletivos.
Propor jogos e
atividades que permitam o respeito por métodos de barreira e distanciamento
físico (favorecer atividades não direcionadas que limitem a interação entre os
estudantes). Pág. 18 Minuta Protocolo de Volta as
Aulas
De quê educação estamos falando? A que acolhe as crianças, as famílias, os
choros os sentimentos, amparando seu fazer com base nos direitos de
aprendizagem? Ou a educação proposta na Minuta que isola, proíbe, que institui
barreiras, que distancia?
Defronte as incertezas e incompreensões, nossa ação de
planejamento de um protocolo para a unidade requer parâmetros para a ação
educativa que atendam os princípios e os direitos de aprendizagens. Direitos
com os quais não podemos negociar.
Contudo a fim de buscar parâmetros para a nossa ação de
planejamento levantamos tais questionamentos que nortearão nossa prática para o
retorno dos trabalhos presenciais.
- Cadê
o outro? Como reestabelecer os vínculos sem proximidade?
“Bebês e crianças convivendo
com os seus grupos e com grupos de crianças maiores aprendem a se respeitar, a
acolher quem precisa de ajuda, a acolher cada um com as suas histórias, a ter
amigos com um sotaque diferente ou uma dificuldade de fala ou de movimento.
Isso acontece especialmente quando as(os) educadoras(es) também adotam uma
atitude permanente de acolhimento e valorização de todas as crianças e de suas
histórias e culturas. Para as crianças maiores, a convivência com bebês e
crianças menores é igualmente uma oportunidade de aprendizado: fortalece a sua
autoestima, pois se sentem responsáveis pelos menores. Aprendem, percebem que
ensinam e, assim, aprendem juntamente com o grupo.” Currículo Da Cidade De
São Paulo Pág. 201[v]
- Não
é possível estabelecermos espaços de brincadeira a fim de manter as
crianças entretidas, quietas, isoladas. Brincar não pressupõe a contenção.
Que concepção de brincar estão propondo?
“Ao planejar e oportunizar
condições (tempo, espaço e experiências de conhecimento das atividades humanas
— “vamos brincar de quê?”) para que a brincadeira aconteça, a(o) professora(or)
respeita as crianças e valoriza a iniciativa, a imaginação e a expressão, assim
como o conjunto de funções como a memória, a atenção, a autodisciplina, a
solução de problemas, a convivência no grupo. É importante incentivar e registrar
as participações, as falas, perguntas e inquietações. Organizar os cantos ou as
atividades diversificadas favorece que a professora transite pelos grupos,
podendo assim estabelecer uma maior proximidade com as crianças e uma
observação mais atenta das ações, interações e reações, para realizar os
registros. Ao registrar por escrito, filmar e gravar, a(o) professora(or)
poderá — sozinha, mas também junto com as crianças, com outras(os)
educadoras(es) e com a equipe gestora — problematizar as escolhas feitas e as
soluções encontradas.” Currículo Da Cidade De São Paulo Pág.95
- Como
a participação se dará seguindo a proposta da Minuta?
“Como vimos nos relatos
apresentados, o trabalho com as Assembleias e com o Conselho Mirim possibilita
às crianças viverem a vida democrática aqui e agora, rompendo com a ideia de
uma cidadania futura, que se dá a posteriori e é, portanto, alheia e externa à
vida na infância. Ao contrário, as crianças aprendem a participar efetivamente
da gestão democrática da escola, pois precisam aprender a negociar opiniões e a
lidar com conflitos e pontos de vista diversos. Elas aprendem ainda a trabalhar
colaborativamente e a se corresponsabilizar por suas escolhas. Propostas como
essa estão alicerçadas no princípio da autonomia, da participação e da ética
necessárias à gestão democrática e materializadas no PPP.” CURRÍCULO DA
CIDADE DE SÃO PAULO PÁG.191
- Entendemos expressão infantil o
movimento, o brincar, a participação, liberdade de explorar os espaços.
Não apenas a verbal. Diante de meses de retenção de corpos em casa., a
escola tolherá os corpos infantis da expressão corporal?
Pesquisas realizadas desde a
década de 1970 (HARDY; PLA15 Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação
Infantil — Volume 1 TONE; STAMBACK, 1991) enfatizam que todas as crianças podem
aprender, mas não sob qualquer condição. Antes mesmo de se expressarem por meio
da linguagem verbal, bebês e crianças são capazes de interagir a partir de
outras linguagens (corporal, gestual, musical, plástica, faz-de-conta, entre
outras) desde que acompanhadas por parceiros mais experientes. Apoiar a
organização em pequenos grupos, estimulando as trocas entre os parceiros;
incentivar a brincadeira; dar lhes tempo para desenvolver temas de trabalho a
partir de propostas prévias; oferecer diferentes tipos de materiais em função
dos objetivos que se tem em mente; organizar o tempo e o espaço de modo
flexível são algumas formas de intervenção que contribuem para o
desenvolvimento e a aprendizagem das crianças. As iniciativas dos adultos
favorecem a intenção comunicativa das crianças pequenas e o interesse de umas
pelas outras, o que faz com que aprendam a perceber-se e a levar em conta os
pontos de vista dos outros, permitindo a circulação das ideias, a
complementação ou a resistência às iniciativas dos parceiros. A oposição entre
parceiros, por exemplo, incita a própria argumentação, a objetivação do
pensamento e o recuo reflexivo das crianças. (MACHADO, 1998). PARÂMETROS
CURRICULARES DA EDUCAÇÃO INFANTIL PÁG.16[vi]
- Que
exploração dos movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores,
palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos,
elementos da natureza, se as materialidades e espaços estão restritos?
É possível projetar espaços de
uma maneira diferente da tradicional: espaços que são mais agradáveis e flexíveis,
menos rígidos, mais acessíveis para infinitas experiencias. O ambiente é visto
não como um espaço monológico estruturado de acordo com um padrão formal e uma
ordem funcional, mas como um espaço no qual as dimensões múltiplas coexistem,
até mesmo as opostas. É um ambiente híbrido no qual o espaço adquire forma e
identidade através das relações. Um espaço, enfim, que é construído não através
da seleção e simplificação de elementos, mas através das relações. Uma fusão de
pares opostos (interior e exterior, formalismo e flexibilidade, materialidade e
imaterialidade), o que produz condições ricas e complexas. CEPPI e ZINI[vii]
- Diante
da contradição das abordagens apontadas e a partir da ideia de que eu me
conheço através do mundo e do outro, como trabalhar o pertencimento se as
diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras estão
comprometidas?
“As concepções que orientam a
proposição deste currículo integrador afirmam o processo de aprendizagem como
uma construção pessoal intermediada pela relação com o meio
sócio-histórico-cultural e em interação entre pares, com os adultos e com os
elementos da cultura com os quais interage, processo em que reconstrói para si
as capacidades presentes nessas interações.” CURRÍCULO INTEGRADOR DA
INFANCIA PAULISTANA PÁG.35[viii]
[i] São Paulo (SP).
Secretaria Municipal de Educação. Concepção e Elaboração de Projetos. Minuta de
Protocolo Volta as Aulas – São Paulo: SME, 2020.
[ii] BRASIL. Constituição
(1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
[iii] BRASIL. Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
[iv]
CASTRO, Amélia Hamze. Repaginando a Educação Infantil. Educador Brasil Escola,
2020.Disponível em:
<https://educador.brasilescola.uol.com.br/gestao-educacional/repaginando-a-educacao-infantil.htm#:~:text=Nas%20Diretrizes%20Curriculares%20Nacionais%20para,exerc%C3%ADcio%20da%20criticidade%20e%20do>.
Acesso em: 02/08/2020.
[v] São Paulo (SP).
Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação Infantil. – São Paulo: SME / COPED, 2019.
[vi] BRASIL, Ministério da
Educação, (1997). Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
Vol.1 Brasília, MEC/SEF.
[vii] CEPPI, Giulio;ZINI,
Michele. Crianças, espaços, relações: como projetar ambientes para a educação
infantil.Porto Alegre, 2013
[viii] São Paulo (SP).
Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Currículo
integrador da infância paulistana. São Paulo : SME/DOT, 2015
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